Pai: Miguel Yalente
Mãe: Joana Aiello Yalente
Data de nascimento: 30/9/1917

Data de falecimento: 06/06/2003
Naturalidade: São Carlos-SP


Biografia

Irmã Raquel, amiga querida do meu coração! Tantos anos! Tanta luta! Tanta alegria! Tanto bem-querer! Tamanha saudade! Ajude-me, – como sempre você fez, – a encontrar a palavra certa, que possa traduzir um pouco do muito que você foi, que você continua sendo para mim, para todas nós, que a tivemos conosco por lindos e ricos numerosos anos! Que nós todas, que amamos, possamos parecer um pouquinho com você: – Que seu coração do tamanho do mundo, alargue o nosso coração. – Para que o nosso coração seja fielmente como o seu! – Para que ele seja um coração alegre, franco, daquela generosidade bonita e aberta, capaz de acolher a quem se achegasse a você! – Para que ele seja um coração quente, aquecendo uma multidão de amigos, felizes, porque muito amados por você! – Para ele seja um coração corajoso e empreendedor, frente a qualquer obstáculo que se opusesse, a você! Irmã Raquel, que nosso coração se pareça com o seu !!! Amém! Ir. Raquel, você se lembra de quando nós nos conhecemos? Você postulante; eu, noviça calvariana. Mére Ana Maria, nossa mestre de noviças? Quantas vezes, ela lhe dissera: – Você vai gostar de conhecer a irmã Terezinha. Madre Ana Maria não imaginava quanto iríamos gostar de nos conhecer, de trabalhar juntas, de fazer juntas tanta coisa bonita!

Era o ano de 1940. Ir. Celeste e eu, noviças íamos passar as férias no noviciado, em São Paulo. Estaríamos chegando e você, então Mariângela, veio ao nosso encontro. Ao me avistar, na sua, espontaneidade tão sua você exclamou: – Nossa, que portuguesita!… Só faltam os brinquitos… Foi aquele abraço fraterno, tantas vezes repetido, ao logo de mais de 60 anos… Em 1941, você fez o vestibular da Faculdade. Estudei com você todas as matérias. Até Espanhol… e Latim também. Estávamos estudando os verbos em latim: – Ir. Raquel, vamos ver os verbos irregulaes: volo, nolo e malo, que significa: “quero’’, “não quero’’ e “prefiro’’. São mais difíceis que o regulares. E ela: -Não vou estudar isto não! Se o examinador perguntar, eu lhe digo:- freira fez voto de obediência; não pode conjugar esses verbos… Claro que ela venceu o vestibular e nós, Ir. Celeste, ela e eu cursamos a Puc de Campinas juntas, por três anos.

Estudávamos dávamos aulas, cuidávamos do internato, (cento e tantas alunas) , cumprimos nossa missão de consagradas e ainda achávamos tempo para preparar festas, desfiles, procissões, excursões, sessões do Grêmio Estudantil; campeonatos, campanhas missionárias, jornal véritas, do conjuntinho L’llouete, festas no Teatro Municipal e tanta coisa mais!… Ir. Raquel trabalhou no Colégio Coração de Jesus, em Campinas, desde 1943. O ano de 1946 a vi partir. Foi continuar suas missões de religiosa educadora , no Colégio Nossa Senhora do Calvário, em Catanduva. O jornalzinho “Veritas’’ fundado por ela, em 1947, apresentou-lhe sua homenagem de despedida, através das palavras de M. Inês de Sousa Coelho, sua ex- diretora. (Ver Veritas – N 29 em anexo). HONRA AO MÉRITO

Após alguns anos em Catanduva, educando uma geração de alunos do Ginásio e Curso Normal, Ir. Raquel foi transferida para Restinga Seca, no Rio Grande do Sul. Foi a vez de as gauchinhas se beneficiarem de sua competência e de seu entusiasmo pela Educação. De novo, volta para Catanduva, como Diretora do Colégio Nossa Senhora do Calvário. Foi aí, que após anos, eu a reencontrei, em 1966, quando fui transferida do Colégio Madre Margarida Maria de São Paulo para Catanduva. Nossas vidas de novo se cruzaram e daí por diante, até sua morte, em 2003 lutamos juntas, juntas vivemos momentos imensos de desafios, algumas derrotas e muitas vitórias. Algumas coisas boas realizamos: – A colaboração que prestamos ao prefeito Antônio Borelli, afim de conseguir para Catanduva , a sua primeira Faculdade.

Com imenso entusiasmo, preparamos o Prédio do Colégio, cedido pela Congregação Calvariana, para receber os 400 alunos vestibulandos da primeira turma! Foi um sucesso! Novas turmas se sucederam, enchendo de vida as salas e os corredores, toda as noites, e as tardes de sábado, até que a Faculdade conseguisse seu Prédio próprio. – Fundação da Escola de Pastoral catequética, outra imensa alegria, para nosso coração de apóstolas de Cristo, cheias de zelo pela evangelização! Formamos uma equipe: Ir. Teresinha Mauro, Ir. Umbelina, Ir. Maria das Graças, Padres Doutrinados, Ir. Raquel e eu preparamos, de início, 50 catequistas, seguindo os métodos da catequese Renovada, em substituição ao catecismo de perguntas e respostas, todas decoradas. A partir daí, foram inúmeros os cursos de catequistas que realizamos, em São Paulo, Rio Preto, Barretos, Valinhos, Potirendaba, Campinas, Palmares, Ariranha, Neves Paulista, Itajobi, Santa Adélia e outros… E com que entusiasmo, com que júbilo apostólico, nós partíamos para nossa missão de pregoeiras do Evangelho! Creio que foram estes entre os momentos mais gratificantes vividos por nosso coração evangelizador! Deus seja louvado! Incansáveis educadoras e conscientes do valor da educação para nossos Catanduvenses, ela Diretora, reabriu o curso colegial, que preparou tanta gente para os vestibulares; o curso supletivo de 1 e 2 graus, para os menos privilegiados, que não puderam freqüentar os cursos regulares. Quanta gente se beneficiou desta oportunidade! Eram salas de 40, 50 alunos, que vinham para as aulas no período noturno. Era o único curso em Catanduva.

Durou anos, até que a Escola Publica abriu seus cursos supletivos gratuitos. Como em Campinas, também aqui nossos alunos participaram de competições esportivas, desfiles, festas juninas, teatros, festas de formaturas muito lindas, abrilhantadas pelo orfeão da escola e pela fanfarra. O coração maior que o mundo de Raquel abrigou uma multidão de amigos. Vale lembrar os nomes de alguns deles, pelos meus: Pe. Jose Eduardo Augusti, “o cantor de Deus’’, renovados da liturgia, preparando missas cantantes, fervorosas, participadas, já naquela época. Vitima de seu zelo pela juventude, acabou sendo preso por ocasião do AI 5. Ao sair da prisão, mais generoso que nunca, fundou, com a colaboração de Ir. Raquel, o projeto Pipmo, destinado a formar mão de obra qualificada e gerar empregos. Funcionou durante bons anos nas dependências que à sua disposição, no Lar Ortega Josué. Ir. Raquel, Ir. Zilah e eu fomos visitá-lo na prisão Tiradentes, em São Paulo. Não nos permitiram entrar na prisão, apenas nos concederam falar-lhe por sinais, a gente no pátio e ele na janela da cela. Saímos de lá de coração partido, as lágrimas a nos correr pela face… Pe. José Eduardo Augusti conseguiu sua liberdade e ainda conseguiu ajudar muita gente, através de cuidados da saúde ministrados a uma multidão de pessoas, lá em Guaiambé, Diocese de Lins. Depois… bem depois, ele partiu deste mundo, deixando saudades em nosso coração.

O “cantor de Deus’’ foi cantar com os anjos e os santos moradores definitivos da casa do Papai do Céu. – Padre Joaquim Ferreira Xavier Junior – “O Profeta do Altissimo’’. Foi pelas mãos de Ir. Raquel que ele veio para Catanduva, quando da Faculdade, pediram-nos que convidássemos alguém para assumir o cargo de Diretor. Ir. Raquel, intuitiva e espontânea, nos disse: – Vou convidar o Pe. Xavier, posso? – Ir. Raquel, você acha que o Pe. Xavier, reitor do seminário de Taubaté, vai deixar seu cargo, pra vir ser Diretor da Faculdade, em Catanduva? – Ah! Sei… mas vou convidá-lo. E fez o convite, Pe. Xavier, nós não sabíamos, mas estava exatamente se desligando do seminário. Pediu-nos que aguardássemos sua resposta. Só que o tempo para solicitar a licença de funcionamento da Faculdade estava se esgotando. Era preciso entrar com o Processo. Tivemos que nos arranjar sem ele.

O escolhido foi Dr. Lenicio, advogado. Afinal, Pe. Xavier se desvinculou do seminário e aceitou o convite. Fomos falar com Dr. Lenício, que não quis abrir mão do cargo. Sorte é que Maria Amália Gifoni, que respondia pela faculdade como vice- Diretora, aceitou de pronto ser substituída por ele. Foi a maior bênção de Deus. Pe. Xavier veio assumir a vice- Diretoria e depois a Diretoria. Respondia pela capelania do colégio, a orientação espiritual de Irmãs e é logo, o nosso sábio e santo Fundador, louvado seja Deus! – Edgar Delbém – Daqui a poucos dias, será o “Padre Edgar’’. Também através de Ir. Raquel veio fazer parte de nossa vida, como alguém muitíssimo querido, cuja presença só veio nos enriquecer. Ela era Diretora da Escola Técnica de Comercio sediada no Ortega – Josué e precisava e auxiliar de diretoria. Sem que ninguém esperasse, em pleno almoço no Ortega, em companhia do Pe. Xavier e do Edgar, ela perguntou à queima – roupa: -Edgar, você aceita vir trabalhar conosco, como auxiliar da diretoria? – O Edgar, abordado tão inesperadamente, não sabia o que responder. – Pe. Xavier veio em seu socorro: – Ir. Raquel, você dá um tempo para ele pensar? Foi assim que Edgar acabou aceitando e tendo que vir morar com Pe. Xavier e os meninos, uma vez que seus pais moravam em Rio Preto. O Edgar tinha apenas 20 anos… e com competência e autoridade ele administrou sua incumbência, junto a alunos técnicos, alguns, às vezes, mais velhos do que ele… chegou a aumentar a própria idade, dizendo ter 26 anos!… Com que alegria e quantas Ações de Graças, nós nos preparamos para assistir à sua ordenação sacerdotal! Lá no céu, certamente, Ir. Raquel se alegra e agradece a Deus conosco, por esta dádiva de Deus Pai! * O tempo não pára. Agora já estamos em 1970 – 71, em pleno processo de desmembramento da Congregação Calvariana. Decisiva, corajosa e operante foi a sua atenção! Nada de lágrima, nada de fraqueza… Lutou como só ela sabia lutar, firme e decidida. Quanta forca, quanta decisão difícil ela nos ajudou a tomar.

Foi ela a nossa mensageira junto à Provincial calvariana, levando até ela nossas propostas de desmembramento da Congregação Calvariana. Saiu-se muitíssimo bem; trouxe- nos a alvissareira boa nova: podíamos partir para Ressurreição! Seu coração generoso, como nunca, como sempre, não conheceu limites. Colocou-se inteiro a concretizar “Ressurreição’’, no Ortega- Josué, no colégio, na casa do carinho, em São Paulo, em Rio Preto, Escola Pequeno Príncipe, em Campinas, primeira comunidade de Base, na casa do Noviciado, na preparação do espaço para comemorarmos nosso primeiro “Centro de Convivência Ressurreição’’, lá no Ortega-Josué, destinado a crianças menos favorecidas dos seus bens materiais.

Em todos esses lugares, foi “como a chuva que lava, como o fogo que abrasa’’, ao jeito da Palavra de Deus, ela foi deixando seu “sinal’’. – No Ortega-Josué, a reforma da capela, a construção de apartamentos para acolher as Irmãs da Comunidade, a reforma, do refeitório, da sala de TV., piscina, da secretaria, de escritórios modelos para a Escola Técnica; a construção de ambientes para o centro de Convivência, tudo tão bem feito, muitas vezes custando por recursos que lhe advieram de sua família. Durante o tempo que trabalhou no Ortega, teve a seu lado a presença que lhe era muito cara, de Ir. Umbelina, eficiente e atenciosa ao longo dos anos , era freqüente Ir. Raquel chamá-la de “ Ir. Umbelina, minha amiga querida’’! -No Colegião, a reforma da Capela, da grande cozinha do Internato, transformada no belo refeitório da comunidade; da sala de jantar de nossos hóspedes ilustres, da sala de visitas, transformada em escritório da Diretoria, da recepção, da copa e cozinha atuais, da garagem dos dois velhos ônibus, transformada em cantina com balcão frigorífico e muito mais. Construção da quadra de esportes, reformas no quintal em toda parte, desde o jardim da entrada até a reforma da garagem no fundo do quintal, transformada em casa para acolher Pe. Xavier, nosso fundador e seus “meninos’’ -São José do Rio Preto- Ir. Mirian e Ir. Coração de Maria sonhavam com uma Escola, onde nosso carisma de Educadoras pudesse mais uma vez, se fazer realidade. Procuravam daqui, dali, até que a nossa Doutora Reny, ex-aluna do “Coração de Jesus’’, em Campinas, umas dessas amigas queridas que nunca se esquecem da gente, nos trouxe uma noticia alvissareira: as diretoras da Escola Pequeno Príncipe estavam propondo a venda da escolinha, que funcionava no jardim Seixas.

A “Ressurreição’’ não tinha, na época, recursos para comprá-la. Ir. Raquel aguardava a parte da herança familiar que lhe cabia. Não teve dúvida, foi procurar o gerente do Banco Nacional, Sr. Célio de Monti pediu-lhe um empréstimo, concedido, juros, por bondade dele, ela saldou a divida, assim que recebeu sua herança. Mas era preciso equipar a Escola. De novo, veio Ir. Raquel, oferecendo a quantia para comprar armários, de aço, porta-mapas, carteiras, enfim o que faltava na escola. Para alegria nossa, de Ir. Mirian, de Ir. Maria da Gloria e Ir. Raquel, já podíamos, tomar concreto, mais uma vez, nosso ela evangelizador. – São Paulo, a Casa do Carinho- A capela estava pronta. Faltavam os bancos, o altar, a passarela, o sacrário. Ir. Raquel providenciou tudo e a capela ficou equipada para receber Nosso Senhor Sacramento e nossas orações. Os bancos, com genuflexórios aveludados, para proteger nossos joelhos, valeram o comentário de Ir. Helena Maria, que então morava em Campinas: -“ Acho, que eu vou vir rezar aqui, todas as manhãs!… Em São Paulo, ainda, ela adquiria com que recebeu de herança, 3 apartamentos, muito bem situados, cujos os aluguéis se revertia para a congregação. Ao fazer seu testemento, estes e outros bens, inclusive um apartamento em Catanduva e outro em São Jose do Rio Preto, doado a mim por ela e Ir. Lourdes, foram doados à sua Família Religiosa. – Campinas- Nossa primeira comunidade de Base, desejada há muito tempo!

Compramos uma casa pequena, no Bairro Carlos Lourenço. Era preciso ampliar seu espaço para acolher as Irmãs e pessoas que viriam aprender datilografia, corte e costura, bordados. Contratamos um construtor que não acabava a reforma e estava sempre solicitando mais dinheiro. Eu, na minha ingenuidade inexperiente, não sabia como me livrar dele e acabava a reforma. Minha amiga, a prática e decidida Ir. Raquel, veio lá em de Catanduva e, rapidamente, pôs tudo em ordem. Em pouco tempo, o construtor foi substituído e a casa ficou pronta. – A casa de Formação – construída no terreno do Colegião, graças ao desempenho arquitetônico de Ir. Raquel e Ir. Maria da Gloria, o abençoado dinheiro da herança Yalenti; acrescida de uma ajuda de adveniat, ergue-se ali, nossa casa de Formação, ampla, acolhedora, confortável, com sua linda capela enriquecida de lindos vitrais, tão aconchegante, tão piedosa, tão recolhida! É gratificante , é reconfortante rezar ali!… Quantas vezes, a Santa Missa, a adoração ao Santíssimo Sacramento, os Retiros mensais, as Novenas de Natal, e de Pentecostes, nos reuniram ali, junto de Jesus Eucarístico e de Nossa Senhora da Ressurreição, para, unidas adorar, louvar, agradecer e bendizer ao bom Pai do Céu por tanta graça, por tão confortadora presença!

Uma das últimas vezes que lá nos reunimos, Ir. Norma, entusiasmada com a capela repleta de Irmãs e Vocacionadas, me perguntou, apontando para a Família reunida: – Madre, a senhora está contente? Seu coração está feliz com esta capela cheia de Irmãs? A resposta eu lhe dei no meu abraço, os olhos cheios de lágrimas e emoção agradecida!… A trabalhadora, a guerreira, apóstola emanada de Jesus e de Nossa Senhora com que ternura filial ela as amava! – Só depois as Irmãs, vencidas pelos muitos anos e pela enfermidade! Assim mesmo, sua presença fraterna, seu coração maior que o mundo, continuava atenta a cada uma e o bem-estar das “meninas’’. Nem sempre ela conseguia lembrar-lhe o nome, mas notava a ausência de uma ou de outro e perguntava: – Onde esta aquela que se senta ali, apontando seu lugar à mesa. Preocupada em saber se todo mundo estava sendo servido. Após as refeições, lá ia ela enxugar a louça, separar e guardar os talheres, cada um em sua gavetinha, que ela mesma fizera ajeitar pelo marceneiro. Com que alegria recebia as Irmãs que chegavam! Estava sempre reclamando minha presença: – Quando é que Madre vem? E quando não telefonava: “a senhora não vem logo’’? Quando eu estava para chegar, ela sentava em frente ao portão da Casa- Mãe, e vinha ao meu encontro,trazendo, na mão trÊmula, uma flor para me oferecer. Eu a abraçava, recebia a flor e a colocava atrás da orelha, repetindo o gesto de minha mãe quando um de nos lhe dava uma flor!… * Um dia! Há na vida sempre um dia, eu cheguei à Casa Mãe e minha amiga-irmã não estava lá, esperando por mim!… Cheguei mais tarde e ela não teve forças para me esperar. Fui ao seu encontro. Ela gostava tanto de seu quarto ao lado do meu, conservado sempre com muita ordem, não quis mais ficar lá.

Creio que sentiu medo de ficar sozinha. Tinha ido se instalar no quarto de Ir. Diva, mais perto de todo mundo. Deus, meu Pai do céu, sempre misericordioso bom para comigo, desta vez me preparava uma benfazeja e dolorosa surpresa. Eu tinha ido, em companhia de Ir. Umbelina e Ir. Ana Rosa, para São Paulo, comprar prendas para a festa junina. Ao chegar à casa das Irmãs, Ir. Carolina me disse: – “a senhora não quer ir comigo para Catanduva? Ir. Raquel não está bem!’’ Deus Nosso Senhor, em sua imensa bondade estava me levando para os últimos dias junto de minha amiga, Senhor, quanto lhe sou agradecida por esta graça!… Sua saúde se alterou mais e seu médico, Dr. Mairton, pediu que a levássemos para internação no Hospital São Domingos, com quem mantínhamos convênio. Ir. Kazumi, Meire e eu fomos com ela. Era tardezinha e nós ficamos com ela, em volta do sofá. A Ir. Raquel empreendedora, sempre atenta a seus amigos, nos propôs: Vamos fazer um almoço lá em casa, para as Irmãs e pessoas amigas? – Tudo bem. Ir. Raquel, vamos pensar no cardápio. O que nos vamos fazer? E ela: – Arroz à grega, frango assado… salada… – Pastel? Perguntei-lhe – Não, pastel é muito difícil de fazer… mas vamos deixar. De noite, eu vou pensar e a gente completa. Mas eu quero que todo mundo recite uma poesia. – Você vão recitar o “ ninho de tico-tico, não é? Perguntei: – Não, a Senhora recita esta, eu vou lembrar outra… – Esta é a poesia que você recita para seu pai; pode recitá-la. Eu sei outra. – A Meire e a Kazumi também vão recitar. – Pode ser lida? Perguntou a Meire. – Não senhora! Todo mundo vai ter que decorar! Era a Ir. Raquel… Queria tudo muito bem feito! Só que ela não teve tempo de realizar seu desejo de almoço festeiro oferecido aos que ela amava. Creio que ela foi oferecêe-lo aos anjos e aos amigos, que a esperavam na casa do Pai.

Seu estado de saúde se agravou. Pe. Jeová veio administrar-lhe o Sacramento dos Enfermos, que ela recebeu ainda bem consciente. Foi para mim um consolo poder cuidar com imenso carinho, durante o dia. À noitinha, Meire vinha me substituir. As irmãs, Ir. Norma, Ir. Vaneti, Ir. Dalva, Ir. Nice, todas vinham vê-la, manifestar-lhe seu afetuoso carinho. À tarde, Ir Kazumi vinha buscar-me e era com o coração dolorido que a deixava… Novo agravamento de sua saúde. Dr. Mairton quis levá-la para UTI, esta bendita Unidade de Tratamento Intensivo, que alivia as dores de nossos doentes, mas fere fundo o coração da gente… Ao se despedir de mim, ainda no quarto ela puxou meu rosto e me beijou com infinito carinho: Foi seu último beijo!!! Por que hão de morrer sozinhos os que amamos tanto e não nos é permitido rezar com eles, fechar-lhe os olhos, guardar no coração seu ultimo suspiro e de joelhos rezar com eles nossa oração :

O Senhor os receba em seus braços; descansem em paz!! Ir. Kazumi e eu fomos vê-la, naquela tarde, por derradeira vez. Ela estava agonizando e o médico de plantão não sabia com que palavras havia de nos alertar do seu fim próximo. Mas nós sabíamos… Não pudemos ficar lá, alem do tempo permitido. Ao chegar em casa, um telefonema do Edgar. O Pe. Xavier e ele queriam noticias de Ir. Raquel. Percebendo minha emoção, Edgar me disse: Madre, vou desligar. Depois eu ligo de novo. – Não, filho não desligue. Eu estava justamente pedindo a Deus que você me ligasse. Eu queria dizer a você e ao Pe. Xavier: “Nossa amiga está morrendo’’!… Pouco depois, o telefone tocou. Ir. Nice e eu estávamos ali perto, Ir. Atendeu: Madre, – O hospital está ligando avisando que Ir Raquel acabou de falecer! Ali mesmo, de mãos dadas, eu a acompanhei, com o coração, em sua volta para a Casa do Pai. Vá, minha querida! Alegre, corajosa, decidida, confiante em seus dois grandes amores, Jesus e Nossa Senhora! Eles a esperam em companhia de todos os que amaram você, neste mundo e a aguardaram lá em sua morada definitiva no céu . Vá minha querida, mais fique guardada no meu coração, que a ama tanto. Assim que o Papai do céu deixar, eu irei matar as saudades que sinto de sua presença tão querida, tão generosa, tão amada, tão fiel! E nunca mais haverá separação. Adeus! * Passamos a noite com ela, na capela do Colegião, que ela tanto amou.

Quanta gente participou de sua missa de Corpo presente, celebrada por Dom Celso, concelebrada pelo Padre Xavier, seu mais querido amigo, e pelo Padre Valdecir! Dom Celso fez a encomendacão do corpo. Pe. Xavier pediu licença a Dom Celso, e, emocionado, ele a abençoou e se despediu da amiga que o trouxe para cá, conosco fundar as “Comunidades de Nossa Senhora da Ressurreição’’. Seus sobrinhos, todos os que puderam, vieram despedir-se da Tia Nica. Pediram-me que lhes permitisse sepultá-la em Urupês. Argumentei : “foi aqui, em sua Catanduva, junto a Família Ressurreição que ela ajudou a fundar, que ela deu o melhor de si, creio que ela vai preferir ficar aqui, até a ressurreição do ultimo dia… Os sobrinhos e educadores e inteligentes, concordaram comigo. As Irmãs vindas de nossa casa, uma multidão de amigos, alunos e ex-alunos a acompanhávamos ate sua derradeira morada, cantando, emocionadas orantes: Com minha mãe estarei Na Santa Glória um dia Junto à Virgem Maria, No céu triunfarei. No céu, no céu, com minha Mãe estarei… Com certeza, Dona Joana e Sr. Miguel, Mateus, tio Nicola, Roberto e Teresa, tão irmã dela, quanto minha, tia Mina, nossas Irmãs e parentes, que a anteciparam na eternidade, lá estavam para acolhê-la, efusiantes de alegria, na casa do Pai do céu.

*** Quem passou pela vida semeando bondade, semeando amor, semeando esperança, semeando conforto, “ensinando a muitos o caminho de Deus’’, receberam cem vezes mais nesta Terra e no Céu a Vida Eterna… Aconteceu assim com nossa semeadora de bondade. As sementes de Bem lançadas à mancheias pela nossa maninha querida, ao longo de sua vida, retornaram copiosas para ela, sob a forma de aconchego, de amizade, de bondade, de gratidão! Desde as enfermeiras, Meire, Marluce, Eliana, desde a Fátima, que lhe preparava quitutes de que ela gostava e Dona Ivone, que cuidava com desvelo de suas roupas, ate cada uma de nós, todas nós, jamais lhe faltamos proposicionando-lhe cuidados e carinhos sem contar. Seria tão bom nomear cada uma! Mas como esquecer a Irmã Celina, reservando para ela a melhor parte dos alimentos?! Paciente e doce, rezando com ela, virando-lhe as paginas do Oficio Divino, esperando que ela conseguisse acompanha-la na oração? Ir. Norma a escolheu para madrinha de sua Profissão Religiosa. Quanta vez eu a ouvi chegar alegre, abraçar a Irmã Raquel, chamando de “minha madrinha’’, demonstrando-lhe tanto carinho, tamanha ternura! A Ir. Kazumi, a Ir. Lourdes, a Ir. Nice, passando com ela, levando-a à igreja para Santa Missa, acompanhando ao médico, cuidando de seu vestuário… Ir. Graça, brincando com ela, fazendo-a rir gostoso… O Edgar, emprestando-lhe seu braço forte, em que ela se apoiava confiante ! O Pe. Xavier acolhendo-a com carinho, conversando com ela, comunicando-se conforto e coragem em meio a seus sofrimentos, devolvendo-lhe a Fé e a Esperança – Ir. Teresinha, Ir. Kazumi, as meninas Irmãs todas, sempre atentas em dar-lhe o braço, sustentando-lhe as pernas trôpegas e cansadas.

Faz bem ao coração, contatar tanta bondade, tanto carinho!… Lá, do seu lindo céu,ela estará sorrindo para cada uma, rogando a Jesus e a Nossa Senhora por todas nós, ate que a reencontremos todas, um dia, na casa do bom Deus. * Os messes passaram depressa e era véspera de Natal. A gente iria voltar à casa Mãe, órfã agora de Ir. Raquel! O coração apertado, roxo de saudade daquela presença alegre a esperar por nós… Padre Xavier que também sofria com sua ausência e, conhecendo meu coração, sabia quanto eu a amava,veio, em companhia do Edgar, encontrar-se conosco, sob o viaduto da Via Dutra, perto de Taubaté. Recebeu-nos com ternura e sentou-se comigo no banco dianteiro do carro. Não me lembro exatamente de suas palavras.

Só sei que, com sua capacidade de ressuscitados, de gerar vida nova, ele conseguiu transformar o gosto dolorido de minha saudade em tranqüila paz, quase alegria!… A vida voltava a reinar serena no meu coração. O menino Jesus iria logo nascer de novo na mangedora de Belém e eu sentia que ressuscitara ali, debaixo daquela ponte. Pe. Xavier, Deus lhe pague! As Irmãs me esperaram apreensivas. Bem sabiam quando iria doer meu coração, ao atravessar o portão da Casa Mãe, sem a presença de Ir. Raquel. Ir. Vaneti, a alegria da Ressurreição, as Irmãs e noviças preparam uma recepção para amenizar minha saudade: canto bonito das noviças, flor para eu colocar atrás da orelha… fogos, muito carinho, muita festa! Abracei todo mundo, alegre, tranqüila, o coração feliz e agradecido diante da manifestação de tamanha ternura fraterna e filial. Deus é bom demais!… Minha querida estava também ali, com certeza, festejando conosco aquela chegada feliz! Um antegoso de nossa chegada, um dia, na Casa do Papai do Céu! Separação nunca mais, nunca mais… Obrigada, Ir. Raquel, ficou sempre conosco! Obrigada a vocês, minhas filhas, que sabemos tão bem alegrar o coração desta velha mãe! Deus lhes pague! HONRA AO MÉRITO Soeur Raquel No imenso misterioso e silente do mar, perdidas na distancia profunda das águas, as folhas emparelhadas das conchas escondem, por vezes, um tesouro… Sim, à amplidão verde-azul da massa liquida é imensurável e lá no intimo de suas profundezas, estão as conchas, duas a duas, fortemente unidas, como pequeninos escrimios e, dentro delas, não raro, uma perola escondida, humildemente brilha… Foi assim. Soeur Raquel que nestes anos todos, a senhora viveu entre as paginas emparelhadas do Veritas, como a pérola oculta humildemente a brilhar. Foi há tempos. Já faz anos, que um grupo de colegiais idealizou este nosso jornalzinho que seria o porta-voz das atividades do nosso colégio, o incentivo para esta gente, moça que ansela por realizar, o elo que uniria o passado ao presente ao futuro das gerações que hão de passar por este “ casarão amigo’’. E a senhora foi a alma do Veritas, ma soeur! De seu apoio e de sua colaboração foi que ele nasceu… Surgiu, trazendo consigo as dificuldades de uma realização nova e as recompensas de um empreendimento feliz… As alunas recebiam-no na alegria de senti-lo a retratar pedacinhos risonhos de suas vidas, em cada pagina jovial.

E os anos correndo foram indo… e a custa de sua dedicação, de desenvolvimento árduo de muitas horas suas, da persistência laboriosa de sua orientação, de muitos sacrifícios seus e dos que com a senhora trabalhava com igual arder, e Veritas deu os primeiros passos e teve os primeiros êxitos de sua finalidade. Nas folhas sorridentes do nosso pequeno jornal havia sempre discretamente o seu trabalho valioso, emprestando às mais pequenas frases o grande valor intelectual, alegre e sadio de sua personalidade marcante… A senhora, se foi… A obediência levou-a de nosso colégio, para servir em outro lugar à sua Congregação; lamentando e compreendendo suas ousadia, o Verito é todo uma homenagem justa, merecida e simbólica de gratidão e estimas das colegiais de ontem e de hoje que puderam sentir, que pelas paginas de nosso jornalzinho, quer pela sua presença sempre simpática, a influencia e a ventura de sua magnífica e generosa dedicação. A serviço de Deus, a senhora fez entre nós todo o bem. Num admirável e grandioso apostolado Que seja Deus mesmo a sua recompensa!… E este o trigésimo numero do Veritas, o primeiro que não sentiu a burllá-la a mãe seugura de sua fundadora. Que saudades ele não sentiu desta mão sábia e amiga!… Que falta não lhe fez ela! Mas … entre as páginas emparelhadas do seu jornalzinho, ma soeur, a pérola continuara, escondida, a brilhar! A essa pérola, a quem o “Coração de Jesus’’ tanto deve, estas conchas, simples e desataviadas, na sua pobreza, irão levar toda a nossa saudade, todo o nosso querer bem, toda a nossa gratidão, neste ardente e bem sincero agradecimento: Soeur Raquel, Deus lhe pague!…

MARIA INÊS DE SOUSA COELHO Ex-Diretora do Veritas

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